Durante um tempo meditei sobre o um projeto artístico que estava com vontade de realizar. Ele tinha o título provisório de Do mistério da carne e seu mote era a criação de uma espacialidade na qual as pessoas pudessem deixar registros afetivos, ao mesmo tempo que seriam convidadas a se relacionar com objetos, frases, sons e textos. A ideia principal era pensar sobre isso que nos faz humanos, matéria carne tão misteriosa. Como inspiração poética havia a obra de Hilda Hilst e o mito de Ariadne. Fui convidando alguns amigos artistas pra ir pensando junto, em cafés, caronas e jantares. Mas havia algo em mim que dizia que não se tratava disso. Que não se tratava de fazer uma obra dita como artística. Que seria outra coisa. Pois então o que seria?

Continuei a meditar sobre e fui percebendo que realmente não se tratava de um trabalho artístico. Eu vinha já realizando minha formação em clínica psicomotora, fazendo os workshops com as práticas do “Corpo como território do sensível” e naquele momento não cabia muito pensar em voltar a pensar em arte como obra acabada. Eu estava mais interessada na EXPERIÊNCIA ESTÉTICA que pode se dar no set terapêutico, na relação com um objeto, na apreciação de um alimento… Pensar isso de uma forma mais ampla, no sentido da RELAÇÃO e de práticas que pudessem ATIVAR  esse lugar.

Então, em uma das minhas turmas da Escola de Belas Artes da UFRJ, onde dou aulas no curso de Artes Cênicas, pedi para que os alunos conversassem, em pequenos grupos, sobre experiências estéticas que eles haviam tido e que julgassem divisora de águas em suas vidas. Procurei não definir previamente nenhum conceito. Apenas lancei a provocação, também no intuito de observar o que surgiria como movimento e discussão.

Muitas experiências vieram à tona: as primeiras idas ao teatro ou ao cinema, alguns primeiros mestres, livros, etc. Mas, uma aluna narrou para a turma algo que talvez, aos nossos olhos ocidentais, soe estranho: a experiência com o sagrado como uma experiência estética. Ela contou que seu irmão havia morrido e que diante daquele acontecimento sua família necessitou se conectar a algo. Evangélicos, seguiram juntos para a igreja, que ela nem frequentava. E naquele dia, diante daquele sentimento de sofrimento que todos compartilhavam, o encontro com o sagrado lavou parte daquela dor.

Crenças e críticas institucionais à parte, o que me chamou atenção ao relato de minha aluna foi a sua delicadeza ao compartilhar uma vivência tão íntima e compreender aquilo como uma experiência estética. Foi sim um divisor de águas, como eu pedi a eles que fosse. Mas o que mais aconteceu nesse dia para que ela compreendesse aquilo como estético?

Penso que talvez algo em torno do COMPARTILHAR algo coletivamente, no sentido de um pequeno RITO DE PASSAGEM nos traga um sentimento de pertencença, um sentido comum de estarmos juntos nesse mesmo barco chamado vida. Ele não tem direção certa, somos co-criadores desta jornada. Eis que esse RECORTE NO TEMPO gerou uma mudança na PERCEPÇÃO daqueles que COMPARTILHAVAM aquele momento, no caso a família de minha aluna. E esse movimento talvez tenha possibilitado que juntos, pudessem admirar o trágico inerente ao viver, nossa fragilidade, nossa efemeridade e ao mesmo tempo, nossa potência. Isso tudo pode ser estético porque passa pela nossa elaboração de sentidos e como humanos, estamos o tempo todo tentando dar sentido a isso que chamamos de vida.

Foi então que fui percebendo que aquele meu projeto estava se tornando a Fios de ser, que busca hoje oferecer uma série de trabalhos de integração do ser na sua dimensão sensível. A escuta do corpo é a principal fonte dessas dinâmicas, às quais também são atreladas a dimensão da expressão de cada singularidade e o contorno terapêutico a partir do vivido.

E neste blog, a ideia é poder aproximar aquele que lê dos conceitos e trabalhos desenvolvidos nas práticas artísticas e terapêuticas propostas nos workshops, vivências e atendimentos. Um convite sensorial à experiência com o texto, gerando contato e relação.