por Maíra Gerstner

Lembro-me que era 2009 e eu assistia a um documentário sobre a obra de Regina Silveira. Em uma tomada, o cinegrafista havia pegado essa placa, com esses dizeres. Naquele contexto, o trabalho daquela artista ganhava outra dimensão quando enquadrada junto à A VIDA É UMA COISA ESTRANHA AO HOMEM. Sou fascinada pelo trabalho de Silveira, suas dimensões e diálogo com o mundo animal, com outros nomes da história da arte etc.  Algo de soturno que ao mesmo tempo se mostra revelador de algum tipo de mistério. É como receber um abraço quando nos deparamos com a obra de um artista generoso.

Hoje, em tempos de pandemia, essas palavras têm ecoado na minha mente. Estamos no terceiro mês de isolamento social de uma experiência muito rara, muito nova em nossas vidas. Como estamos vivendo e olhando para ela?  

Penso nessa placa que está no ateliê de Regina Silveira. A obra A VIDA É UMA COISA ESTRANHA AO HOMEM (1976) é da autoria dos artistas Julio Plaza e Régis Bonvicino. O que há de estranho na vida? O que há de estranho em uma pandemia? Será que um contexto como esse nos leva a olhar a vida com mais estranheza? E como viver diante do estranho?

É nesse sentido que para mim arte e vida se entrelaçam: porque se tomamos a vida como coisa dada ela vira reprodução, repetição, representação. É nessa estranheza com a matéria vida que o mistério do estar vivo pode se dar. Para isso é preciso criar o que não está já pré-estabelecido. Eu não sei de antemão o que é viver, eu vou vivendo, aprendendo, experimentando, tateando. É como estar em um jogo em que as regras podem ir mudando a cada momento: ainda que nos forcem a acreditar que as regras são sempre as mesmas.

Essa estranheza é potente. Pesquisando a obra de Julio Plaza e Régis Bonvicino descobri que eles estiveram envolvidos, juntamente com Regina Silveira, na edição brasileira de “Grapefruit” o maravilhoso livro de instruções performativas de Yoko Ohno. Aliás, Yoko Ohno será tema para um próximo post, também por conta da pandemia.

Por isso uma força me leva a cantar
Por isso essa força estranha no ar
Por isso é que eu canto, não posso parar
Por isso essa voz tamanha

(Caetano Veloso)