por Maíra Gerstner

Acabo de ouvir uma canção que gosto muito, do Zé Miguel Wisnik, chamada “Assum branco”. Essa canção marca uma fase muito especial da minha vida, pois embalou muitas aulas  na época em que eu cursava artes cênicas em São Paulo. Hoje, porém, algo novo se abriu quando ouvi essa canção.

Desde muito menina sou muito ligada às canções. É como se elas atravessassem meu corpo e me ajudassem a decodificar sensações que eu não conseguiria descrever de outra maneira. A versão que mais gosto de “Assum branco” é na voz de Wisnik na parceria com Caetano Veloso. A voz de Caetano fica trêmula, sertaneja, prenhe de emoção. Só hoje captei esse tremor e consegui perceber a homenagem que Wisnik faz a um dos grandes pais do nosso sertão, Luiz Gonzaga.

Pode o sertão habitar o meu corpo? Guimarães Rosa diz que sim. Certa vez eu e uma amiga tentamos explicar a um artista chileno o que era o sertão. Tentamos falar do conceito de latifúndio. Da seca. Mas não. Esquecemos de falar de uma coisa sem fim que nos habita como uma névoa. Como o tremor da voz de Caetano. Como um sentir sem nome que se quer nomear e chamamos de sertão.

O sertão me habita como o Texas que conheci com Wim Wenders, que me foi apresentado por uma querida amiga cineasta, com quem compartilhei tantas imagens latentes que o cinema produz em nós. As paisagens que nos habitam são, portanto, relacionais. Elas evocam encontros, passagens, memórias. Produções de subjetividade que no nosso corpo ganham espaço sem fim, pois somos intensos produtores de imagens.

Por isso o convite que Lygia Clark nos faz para fazer contato com o “vazio pleno” aqui se apresenta como uma necessidade: é preciso que o vazio se instaure para que possamos deslocar nas imagens já conhecidas, nas relações já dadas. As imagens pedem passagem. A vida também. Para que o novo surja é preciso abrir espaço. Fazer contato com aquilo que ainda não se sabe. Mas que tem potência. Que se afirma. E que é puro acontecimento.